Ela
fervilhava de raiva, batendo perna pela rua. Nem se deu ao trabalho de pensar
que aquela cara amarrada e a pressa levantariam dúvidas, causariam má
impressão. Só sabia que, nos últimos dias, sua paciência vinha num declínio
contínuo. Era a frustração de uma ansiedade em vão. Esperar por nada. Pelo
repetitivo nada.
De
que adiantava um amor se havia um prazo de validade? Depois que ele foi embora,
ficou aquela dúvida. Se valia a pena. Quer dizer, ama-se hoje, mas até quando?
Não que ela própria fosse o exemplo de estabilidade sentimental. Porque não,
ela não era. Mas a dúvida que passara a atormentá-la pelas esquinas, por cima
do ombro, era bem mais ampla, generalista. Era uma pergunta dirigida a algo
maior, talvez à razão para se amar um homem, para entregar corpo e coração. Pra
quê?
Entrou
na livraria do meio do quarteirão, respirando um pouco mais devagar, impactada
pelo aroma reconfortante de café fresco. Qualquer lugar para se estar entre livros
e tomar um bom café era capaz de amenizar seus furacões internos. Debruçou-se
sobre o balcão de lançamentos, só por distração, e escolheu um exemplar para
folhear.
Demorou
um pouco mais do que o comum para passar a página, tanto que pareceria patético
para quem estivesse observando. Nunca havia, ela ergueu o rosto rapidamente pra
confirmar. Mas, daquela vez, não. Eles cruzaram o olhar numa fração de segundo,
mas não foi difícil deduzir que aquele sorriso divertido dele quando voltou à
leitura era dela. Era dela porque, certamente, não devia ser tão árdua quanto
ela fez parecer a tarefa de folhear um livro. E ele havia visto.
Fazia
tanto tempo que não corava de tal maneira, que a surpreendeu a rapidez com que
as bochechas podiam atingir aquela temperatura. Pela visão periférica, ela
reparou no momento em que ele devolveu o livro à pilha e veio contornando o
balcão até bem perto. Casualmente, é
claro, ela pensou. Não que ele estivesse se aproximando com alguma
intenção.
Em
questão de segundos, ele estava tão próximo que parecia a meio passo de cumprimentá-la.
Suas mãos esbarraram quando iam selecionar o mesmo livro. Ela virou o rosto para
encará-lo e pedir desculpas, ele fez o mesmo. Com menos angústia e bem menos
intenção de se desculpar. Era um olhar tão seguro e um sorriso tão sereno que,
por um instante, ela pensou que estava sozinha naquela fantasia platônica, que
ele teria o mesmo sorriso no rosto para qualquer outro desconhecido em quem
esbarrasse sem querer. De repente não tinha mais certeza se aquele risinho de
antes foi mesmo para ela.
Ele
se desculpou logo depois dela, deu de ombros como quem não se sente nenhum
pouco ofendido e ofereceu o livro. ‘Mesmo?’, e ele balançou a cabeça: ‘Mesmo’.
Ela pegou o livro e, ainda sem graça, abriu. ‘Se precisar de ajuda pra virar a
página...’, ele pressionou os lábios, maquiando o sorriso depois do gracejo.
O
engraçado foi como aquilo fez um estranho sentido em vários aspectos. Virar a página. Todos aqueles últimos
dias recusando-se a se divertir por remoer continuamente um amor acabado.
Fechado e lacrado. Despachado. Ela riu baixinho. Ele acompanhou, lançando um
olhar rápido na sua direção antes de caçar outro livro.
Às
vezes, a distração é o melhor remédio. Poder se distrair vivendo.
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Música de inspiração: Dreaming with a Broken Heart
awsome <3
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