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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Morte e matéria




Andei pensando sobre a morte. Esse ponto de referência cuja inevitabilidade a gente reconhece, mas evita mencionar. Eu mesma evito ao máximo. Conheço, porém, pessoas com uma visão muito pragmática e supostamente bem resolvida sobre a morte. Elas costumam dizer que é a única certeza da vida, a única promessa com garantia total de ser cumprida, portanto não há razão alguma para passar toda uma existência nesse conflito inócuo com ela.

Já ouvi que a morte é que dá sentido à vida, e eu ainda não sei se aceito essa ideia. Soa como se não pudéssemos alimentar sonhos, estabelecer objetivos e buscá-los simplesmente pelo desafio e pelo desejo de alcançar nossas metas de vida. Parece que só desejamos qualquer coisa porque um dia não poderemos desejar mais nada, porque não haverá mais quem deseje. E essa noção não me parece muito justa. Quero viver porque eu não conheço nem 1% do que há para conhecer.


Deixar de existir materialmente é também extinguir desejo, curiosidade, potencialidade, troca, energia. É não mais absorver qualquer tipo de conhecimento, é não mais estabelecer e manter vínculos.


Alguns anos atrás, eu tive meu primeiro grande baque face à morte. Eu nunca tinha experienciado algo tão definitivo, um ponto final frio e irreversível. A morte nos lembra de que nada além dela mesma é imutável. E esse senso de irreversibilidade é desesperador. Eu nunca mais ia vê-la ou ouvir a sua voz ou saber dos seus planos, sonhos, amores. Nós nunca mais iríamos nem mesmo trocar olhares de longe. Porque ela não mais existia. Ela não mais existe. Um universo complexo em forma de um ser humano totalmente gone. Eu recebi a notícia por telefone, a voz trêmula e hesitante de quem me relatava fez um enorme marabalismo até conseguir articular de maneira clara que ela morreu. E eu, que sempre imaginei que a única reação imediata possível àquela notícia seria um choro ruidoso e desconsolável, senti um absoluto vazio que coexistiu com um desfile de elementos sensoriais na minha mente. Uma risada, o cheiro do creme de pentear, a cara amarrada, um desenho, uma mão se fechando na minha. Eram lembranças me atravessando todas de uma vez.


A morte é uma possibilidade todos os dias, a qualquer instante. Tem dias em que não quero mais viver, mas tem muitos mais dias em que desejo nunca morrer. Não há limites para os mistérios a serem desvendados no universo e o meu desejo é prosseguir explorando as possibilidades que só a vida permite. A morte não oferece nada senão a inexistência definitiva. Memória afetiva não traz experiências nem pessoas de volta. É duro, mas é real.

Memória afetiva é um aposento particular, interior, invisível que visitamos solitariamente. Não há matéria envolvida em rememorar. Nós sentimos falta do universo envolvido pela matéria, porque somente no olhar, no toque, no perfume, na voz, é que espiamos, de relance, dentro daquele universo que faz de alguém um ser humano singular e querido. Nós precisamos da matéria para dar substância e existência palpáveis ao mundo interior.


E é por pensar que somos seres extremamente dependentes da matéria para compreender melhor o mundo invisível dos afetos, dos desejos e da existência, que eu sigo no conflito inócuo com a morte. Talvez, para lidar melhor com a ideia da morte, eu ainda precise revisitar o meu apego à matéria e ressignificar a própria inexistência. Então, talvez, sim, a morte dê sentido à vida, porque eu quero estar aqui para conhecer o máximo que puder e espero que as pessoas que amo permaneçam aqui pelo máximo de tempo possível dividindo comigo esse espaço ilimitado repleto de recantos não explorados da existência.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A ilusão da captura


Hoje, depois de um dia esquisito, incapaz de me concentrar por muito tempo em uma só tarefa, eu redescobri um devaneio que me acompanha desde sempre, mas que silencio há anos. O desejo de conhecer o outro. De enxergar e ver o outro. É um devaneio que talvez beire a insanidade, não sei. Por outro lado, acho que seria audacioso supor que apenas eu dentre muitos seja constantemente acometida por esse anseio. Talvez faça parte da natureza humana, mas, por uma série de razões, seja sufocado pela maioria. 

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Como descrever alguém sem cair em floreios desnecessários? Ou em floreios de menos? Como estampar em palavras um outro ser? Esse sempre foi um questionamento corriqueiro que vagava pelos recantos da mente à época em que eu escrevia vorazmente. As idiossincrasias, os maneirismos, o sorriso, os sonhos e desejos de uma criatura refletidos no papel ou na lauda do Word, num rodapé com o mínimo de caracteres possível, no recanto de um cérebro embebido em amor platônico. Pois bem, a angústia e a dúvida retornaram.

Eu costumava escrever profundas descrições repletas de idealização, um sonho irrestrito de adjetivos e impressões. Para mim eram retratos fidedignos, jamais se elevavam além ou aquém do que as criaturas descritas, em essência, eram. Mas o que conhece das gentes uma criança com tão ambiciosas aspirações? Ou melhor: o que conhece de qualquer pessoa quem quer que seja? Quem é você sem todas essas camadas, livre das infinitas personas que assume? Onde está você em meio a esse caos de movimentos e expressão? I wish to see you.

No entanto, não se trata apenas de reduzir o outro a um conjunto de palavras, mas de (re)conhecer. Navegamos por essa vida sem nunca conhecermos uns aos outros por completo, mas, constantemente, alegando - se não a terceiros, a si mesmos - saber exatamente quem são eles. Não sabemos nem mesmo de nós. Quaisquer requisições de descrições sobre mim mesma me apavoram. Quando mandatórias, então, anulo-me completamente para caber e cumprir a convenção – quase sempre vazia – de dizer de mim.

Apesar disso, mais e mais me comovo e surpreendo com as tentativas de imprimir fora do corpo o que reside intimamente nele – e ao redor, se for energia, vibração, alma. Impressionam-me os detalhes descritivos que parecem ter desnudado aquele alguém completamente de sua essência, sem deixar um só grão de individualidade desconhecido em seu corpo. Porque, no fundo, já é sabido: a descrição não se trata daquele alguém, mas de como foi sonhado por outra pessoa, por quem o descreve. Então como descrever as criaturas fielmente? Paira, sombria e fria, acima do vórtice de dúvidas e anseios de captura, a constatação de que não se pode extrair nada além da interpretação. Porque não se pode invadir o interior do outro, explorar cada fissura do ser, assumir para si aquela existência alheia. É a constatação da morte. Certa e indelegável.

Por fim, é isso? Jamais superaremos a descrição enquanto uma ideia que fazemos dos seres que não nós mesmos? Quem reside ali dentro não se mostra por inteiro no exterior, também não sussurra em meu ouvido suas verdades mais profundas, desejos e devaneios, as tristezas e alegrias, julgamentos, medos e culpas. Portanto o que extraio dos seres não passa de interpretação, da ideia que faço deles. Ainda que - de momento - resiliente, eu não fujo à busca constante de quem é o outro. Uns me fascinam especialmente, é verdade. Mas não é difícil me flagrar observadora, contemplativa dos gestos, do riso, da fala, do olhar alheios, caçando aquele instante de ilusão da captura. I wish to see you as you are.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Sabe a série que você deveria estar vendo?



E aí, pessoas? Tudo certo? Faz aproximadamente 200 anos que eu não atualizo o blog, o que é uma vergonha, mas a vida não estava exatamente fácil e a verdade é que eu não estive inspirada ou motivada a escrever durante muito tempo. Mas essas questões a gente deixa pra análise ou talvez, algum dia, eu conte por aqui. Vamos ao que interessa.

Se o título dessa postagem deixou você curioso(a), devo dizer que a história da série que eu tenho pra indicar vai deixar ainda mais. Gente, é perfeição demais. Mas, sem mais delongas, o tesouro de entretenimento – será que eu sou muito entusiasta? - que eu comecei a assistir esse ano é: OUTLANDER.

A série é baseada na saga literária A Viajante do Tempo, da escritora norte-americana Diana Gabaldon. A história acompanha a vida da inglesa Claire Randall (interpretada pela maravilhosa Caitriona Balfe), uma mulher independente e à frente de seu tempo, que atuou como enfermeira do exército inglês durante a Segunda Guerra Mundial. Com o fim da guerra, ela retorna para o marido historiador, Frank Randall, de quem esteve distante durante os anos de combate.

Para se reaproximar, o casal viaja em lua de mel à Escócia, mais precisamente, à pequena cidade de Inverness, onde eventos inesperados começam a se suceder. Como o título da saga de livros revela: Claire, inadvertidamente, acaba viajando no tempo para uma Escócia dividida pelo domínio inglês e a resistência jacobita, no ano de 1743.

Se você, como eu, curte história, inglês, a Escócia, personagens femininas fortes e independentes, dramas intensos e romance, vai assistir a primeira temporada em tempo recorde.


Toma aqui o trailer da primeira temporada e uma fotinho da lindona da Claire:



Olha essa rainha poderosa com a serenidade no olhar de quem sabe que é dona da coisa toda.

Não digo mais nada! Vão correndo assistir a essa maravilha.

ALERTA DE AMIGA: Se tem uma coisa que eu não sugiro é você seguir as redes sociais da série ainda se for começar a assistir agora. Sem querer ser preconceituosa nem nada com fãs de GoT, até tenho amigos que são, mas alguns fãs de Outlander são como os de GoT no quesito SPOILERS. Então fique longe da seção de comentários. Ou melhor, não visite as páginas oficiais da série ainda, porque, se você for louco como eu, qualquer imagem postada que eu ainda não tenha visto já acaba com meu dia. É SPOILER.  

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Laços afetivos e a marcha do tempo



Na vida a gente precisa saber ser para o outro o que dele se espera, assim como saber que amor nenhum causa angústia, porque deve ser refúgio da aspereza do mundo lá fora. Sempre achei que eu soubesse muito bem disso, mas a verdade é que eu demorei a perceber que raríssimas vezes soube fechar o ciclo da reciprocidade, tanto porque já esperei mais do que ofereci como porque já me dediquei a quem não me considerava. Com alguma sorte, não tive perdas significativas no processo de aprendizagem e hoje tenho ao meu lado apenas pessoas com quem me importo e que me ajudam a ser melhor.

A verdade é que o tempo tende a esculpir nossa percepção. Não que o aprimoramento seja espontâneo, porque não é mesmo. Não evolui quem acha que está perfeito, mas quem reconhece suas falhas e vai em busca de corrigi-las. Só o tempo, com a bagagem de experiência que proporciona, para nos indicar alternativas que não víamos antes. 

A juventude abarca o mundo com avidez, é quando a maioria quer tudo em excesso e não tem prioridades sérias. São tão frouxas as nossas prioridades nessa época que, muitas vezes, nós nos encaixamos em todos os grupos, navegando de um para o outro num mar de sujeitos de todos os tipos, de todas as personalidades. Não é aí que filtramos nossos afetos, pois a preocupação ainda é acumular.

É o transcorrer dos anos que vai demonstrando a força e a coerência daquelas conexões pessoais. Não é afeto quando nos forçamos continuamente a permanecer, quando não faz sentido nenhum, quando sofremos e nos anulamos nem quando não conseguimos crescer. Afeto não se mede em convivência, mas em respeito, parceria, cuidado, consideração. Também não se mede em quilometragem, telefonemas ou mensagens de texto. Tem muito mais a ver com sintonia. Afetos que sobrevivem ao teste do tempo contamos em poucos dedos. O tempo nos ensina a filtrar nossa bagagem e isso é normal. 

Não me entenda mal. A questão aqui não é nos restringirmos àqueles com quem temos mais intimidade, mas não nos forçarmos a manter por perto pessoas que não nos acrescentam coisas boas, apenas nos submetem a momentos de superficialidade ou angústia. Sou alguém que não priorizo relações superficiais e, apesar disso, indo contra minha natureza, mantive por muito tempo relações que não me acrescentaram e que chegaram a me anular diversas vezes.

Não é nossa missão mudar ninguém. Nem mesmo um direito, eu diria. Aqueles que nos submetem a angústias desnecessárias, que afetam nosso cotidiano e nos impedem de encontrar paz de espírito nunca foram nossos afetos. A vida fornece as ferramentas a todos para que aprendamos a ser melhores, mas, como eu disse antes, esse aprendizado não é espontâneo e depende totalmente da nossa vontade de desconstruir comportamentos e concepções equivocadas. 

Aceite o conselho do tempo e reorganize suas prioridades também em relação às pessoas que orbitam seu universo. Não aceite relações abusivas, superficiais, nocivas de qualquer natureza. Nossa vida na terra é um sopro e é apenas nesse pequeno período enquanto respiramos que podemos nos dedicar aos nossos verdadeiros afetos, aprendendo juntos em harmoniosa reciprocidade.