About Me

domingo, 20 de janeiro de 2013

Por distração



Ela fervilhava de raiva, batendo perna pela rua. Nem se deu ao trabalho de pensar que aquela cara amarrada e a pressa levantariam dúvidas, causariam má impressão. Só sabia que, nos últimos dias, sua paciência vinha num declínio contínuo. Era a frustração de uma ansiedade em vão. Esperar por nada. Pelo repetitivo nada. 


De que adiantava um amor se havia um prazo de validade? Depois que ele foi embora, ficou aquela dúvida. Se valia a pena. Quer dizer, ama-se hoje, mas até quando? Não que ela própria fosse o exemplo de estabilidade sentimental. Porque não, ela não era. Mas a dúvida que passara a atormentá-la pelas esquinas, por cima do ombro, era bem mais ampla, generalista. Era uma pergunta dirigida a algo maior, talvez à razão para se amar um homem, para entregar corpo e coração. Pra quê?

Entrou na livraria do meio do quarteirão, respirando um pouco mais devagar, impactada pelo aroma reconfortante de café fresco. Qualquer lugar para se estar entre livros e tomar um bom café era capaz de amenizar seus furacões internos. Debruçou-se sobre o balcão de lançamentos, só por distração, e escolheu um exemplar para folhear.

Demorou um pouco mais do que o comum para passar a página, tanto que pareceria patético para quem estivesse observando. Nunca havia, ela ergueu o rosto rapidamente pra confirmar. Mas, daquela vez, não. Eles cruzaram o olhar numa fração de segundo, mas não foi difícil deduzir que aquele sorriso divertido dele quando voltou à leitura era dela. Era dela porque, certamente, não devia ser tão árdua quanto ela fez parecer a tarefa de folhear um livro. E ele havia visto.

Fazia tanto tempo que não corava de tal maneira, que a surpreendeu a rapidez com que as bochechas podiam atingir aquela temperatura. Pela visão periférica, ela reparou no momento em que ele devolveu o livro à pilha e veio contornando o balcão até bem perto. Casualmente, é claro, ela pensou. Não que ele estivesse se aproximando com alguma intenção.

Em questão de segundos, ele estava tão próximo que parecia a meio passo de cumprimentá-la. Suas mãos esbarraram quando iam selecionar o mesmo livro. Ela virou o rosto para encará-lo e pedir desculpas, ele fez o mesmo. Com menos angústia e bem menos intenção de se desculpar. Era um olhar tão seguro e um sorriso tão sereno que, por um instante, ela pensou que estava sozinha naquela fantasia platônica, que ele teria o mesmo sorriso no rosto para qualquer outro desconhecido em quem esbarrasse sem querer. De repente não tinha mais certeza se aquele risinho de antes foi mesmo para ela.

Ele se desculpou logo depois dela, deu de ombros como quem não se sente nenhum pouco ofendido e ofereceu o livro. ‘Mesmo?’, e ele balançou a cabeça: ‘Mesmo’. Ela pegou o livro e, ainda sem graça, abriu. ‘Se precisar de ajuda pra virar a página...’, ele pressionou os lábios, maquiando o sorriso depois do gracejo.

O engraçado foi como aquilo fez um estranho sentido em vários aspectos. Virar a página. Todos aqueles últimos dias recusando-se a se divertir por remoer continuamente um amor acabado. Fechado e lacrado. Despachado. Ela riu baixinho. Ele acompanhou, lançando um olhar rápido na sua direção antes de caçar outro livro.

Às vezes, a distração é o melhor remédio. Poder se distrair vivendo. 

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Música de inspiração: Dreaming with a Broken Heart

sábado, 24 de novembro de 2012

Elenco de um só corpo



Existem incontáveis dimensões da realidade em constante colisão dentro de mim. Às vezes, quando me sinto triste sem um motivo óbvio, fica sempre a dúvida se aquela tristeza é minha ou de uma personagem. Ninguém guarda apenas a si mesmo nesse corpo palpável. Dentro do que, externamente, aparenta unidade, há uma sequência aleatória de humores, realidades, sentimentos. 

Portanto, a tristeza não faz de mim quem eu sou, porque eu estou triste, não sou triste. Aquela que, naquele momento, recusa a mão estendida que vai puxá-la para fora do buraco, aquela não sou eu. Andar cabisbaixo, meio rabugento, ignorando todo e qualquer estímulo para a felicidade, não define a personalidade de ninguém. É um daqueles estágios  em que só a vida enxerga linearidade, enquanto nós, humanos e infinitamente ignorantes quanto ao rumo e às razões disso tudo, só conseguimos encarar como aleatoriedade. "Vai passar", é o que a gente costuma falar. Porque, inconscientemente, sabemos de antemão que aquela tristeza não é algo que pode ser medido, previsto ou diagnosticado, por mais que muita gente insista em apontar motivos. Por que buscar razões para um sentimento que nem vale a pena ser prolongado? 

Não só o mau humor ou os dias ruins, mas a alegria e a inquietação daqueles nossos melhores dias também não se anunciam com antecedência. Por isso eu insisto que todos guardamos esses inúmeros indivíduos dentro de nós, alguns que são mais queridos e outros que só aparecem pra dar uma lição na gente, todos se manifestando sem cerimônia. Lição, porque, até hoje, aprendi muito mais com meus piores momentos que com os melhores. Tristeza, frustração, decepção foram grandes professoras minhas, abriram meus olhos, varreram ideias preconcebidas e me mostraram as bifurcações no caminho. Há sempre novas maneiras de enxergar o mundo.

Essa nossa característica incrível de renovação constante, acredito eu, é fruto dessas dimensões infinitas, dessas personagens inquietantes dividindo o corpo com a gente, reivindicando, de tempos em tempos, a sua vez de jogar. O frenesi da disputa é tamanho que, não raro, reconhecer-se vira missão impossível, mas atuar na peça da vida é simplesmente um privilégio valioso demais, incluindo renúncias, decepções, mas também alegrias e prazeres pelos quais vale a pena permanecer no palco. Por isso, quero viver todas as minhas realidades, experimentar a falta de decoro, a dor de cotovelo, o riso bobo, o choro no escuro, os abraços demorados e o amor sem formalidades. Recuso o papel de coadjuvante. Sou protagonista nesse elenco de um só corpo.




quinta-feira, 14 de junho de 2012

Crônica: (In)felicidade


Como que para se contrapor à autopiedade insistente que se alojara dentro de mim havia quase uma semana, o dia estava perfeito. Sol, poucas nuvens, gente na praia, a criançada correndo livre, chutando a água do mar. Um clima de bossa nova e a mulherada desfilando em roupas minúsculas até onde a vista alcançava. Mas meu desânimo era como um gosto amargo na boca que tira o sabor de qualquer comida boa. Eu até disse à família que não me importava, ‘da próxima, dá certo’, eu disse com um riso amarelo.

domingo, 3 de junho de 2012

'Espelho, espelho meu'


‘Espelho, espelho meu’

A beleza é teu instrumento de guerra, o escudo que te mantém a salvo. Quando indefesa, eles te protegerão. Quando forte, eles te respeitarão. Não existe melhor ferramenta, minha menina, acredites em mim. Mesmo sob as sombras do teu caminho, estarás a salvo, pois teu pacto é de sangue, o símbolo da vida fervente em tuas veias. És a mais bela e disso há de tirar proveito sem que nenhuma outra tua glória afronte.